Unifeso - Como o uso excessivo da tecnologia afeta a saúde mental

CENTRO UNIVERSITÁRIO SERRA DOS ÓRGÃOS




Como o uso excessivo da tecnologia afeta a saúde mental

17-03-2020

O Brasil é um dos campeões mundiais em tempo de permanência na internet: está em terceiro lugar. O internauta brasileiro fica, em média, nove horas e 14 minutos por dia conectado. O número, levantado pela Hootsuite e We Are Social, coloca o país atrás apenas de Tailândia (com nove horas e 38 minutos) e Filipinas (com nove horas e 24 minutos).

Já virou um hábito tão grande checar o celular entre uma atividade e outra, que acabamos o fazendo de forma automática. Não podemos negar as vantagens que a tecnologia e as mídias sociais nos proporcionam, como a possibilidade de manter contato com pessoas distantes, fazer novas amizades, aumentar o networking, acesso à informação rápida e facilidade no dia a dia. Mas até que ponto é saudável passar tantas horas ligado nas telas de smartphones, seja interagindo em mídias sociais ou jogando? Como fica o limite entre trabalho e lazer, já que as demandas por WhatsApp e e-mail extrapolam o horário comercial? Como identificar que tanta conectividade nos está deixando mais estressados e/ou ansiosos? E o uso de tecnologias por crianças e adolescentes, é saudável até que ponto?

Para esclarecer essas dúvidas e entender os riscos que a conectividade em excesso traz a nossa saúde mental, o Feso News conversou com a professora Ana Brasilio, coordenadora do curso de Psicologia do Centro Universitário Serra dos Órgãos (Unifeso). Confira.



Afinal, como o uso contínuo de smartphones e mídias sociais afeta a nossa saúde mental?

O que venho percebendo, tanto na prática clínica quanto na sala de aula, é que vivemos um desassossego. Segundo Freud, esse estranhamento deveria ser familiar para nós, mas não é. Na verdade, na vida partimos sempre em busca de experiências que possam trazer um certo conforto. As mídias sociais nos trazem acesso a muita coisa, entretanto, elas têm, cada vez menos, tendido para a abertura de algo novo, de um estranhamento, de um diferente. Cada vez mais vamos às mídias sociais em busca de um igual, de uma identidade que venha a nos confortar. E, na maioria das vezes, eu percebo que as mídias sociais vieram anestesiar as pessoas.

Quem, hoje, pode abrir mão de usar as mídias sociais? O WhatsApp virou até ferramenta de trabalho. Na conjuntura em que vivemos, qualquer diferença nos assombra, não à toa famílias brigaram e casamentos foram desfeitos por conta de questões políticas. Essas mídias trazem o diferente até nós, esse diferente nos assombra e reagimos a ele. Então, a contribuição que poderia ser de conhecimento do outro, tende a ser aprisionante.

A outra coisa que percebemos, especialmente em sala de aula, quando o aluno mexe no celular, é que não ficamos inteiros nas relações. Ficamos divididos quando estamos em uma conversa presencial e pegamos o celular para checar as mensagens do WhatsApp. Estamos cada vez mais isolados dentro da própria situação da informática. Não digo que é para deixar de usar, afinal, todo sintoma é correlato ao seu tempo. E que tempo é esse? É um tempo que não amplia, ele diminui, pois cada vez mais ficamos individualizados dentro de nossas casas, dos nossos espaços.

Quando o uso excessivo de mídias sociais se torna preocupante?

O alerta entra na nossa vida quando não conseguimos mais nos conectar efetivamente com o outro, quando eu não consigo mais estabelecer um momento de estudo para uma criança, quando não consigo estabelecer para o adolescente um momento de conversa, quando não consigo ter com o meu parceiro ou com os meus amigos um momento de diálogo. O celular hoje é uma prótese, não conseguimos mais viver sem, mas temos que saber utilizar. 

Freud dizia que há três situações que causam o sofrimento humano: soma (o corpo), o subjetivo e a nossa relação com o outro. Quando falamos em mídias sociais nem sabemos mais quem é esse outro. Esse outro não tem rosto, esse outro não se apresenta e, muitas vezes, quando se apresenta, ele se mascara. Quando eu não consigo pautar a minha vida naquilo que eu acredito, naquilo que me faz vivo, na relação com o outro, aí é um sinal de alerta. A vida fica tão empobrecida que precisa de uma prótese, como uma mídia social, para poder viver. E é esse empobrecimento que precisamos cuidar. 

As mídias sociais fazem da vida do outro um grande espetáculo, que pode ser acompanhado e julgado o tempo todo pelas pessoas. A impressão que se tem é a de que hoje as pessoas estão tão ocupadas olhando e julgando a vida alheia que se esquecem de observar a própria vida...

Há uma anorexia emocional que as pessoas só pautam as próprias vidas na medida em que olham a vida do outro. O esvaziamento da vida pode se dar pelo uso e abuso da rede social, como pode se dar por qualquer outra droga, sejam lícitas ou ilícitas. A droga deixa a pessoa seduzida e distraída.

O maior desafio para os psicólogos, hoje, é não destruir o pensamento. 

Quando um paciente nos procura é para abrir a possibilidade de pensar a sua vida. Se eu coloco o julgamento na frente, eu tiro qualquer possibilidade de pensamento. Hoje temos muito disso, porque estamos muito distraídos com as pautas morais e ficamos presos aos julgamentos e não à capacidade de pensar, de criticar.

Por isso, fazemos a Integração Ensino, Trabalho e Cidadania (IETC) no Unifeso, para assombrar a vida dos nossos estudantes com uma outra realidade, que dá a possibilidade de eles criarem outras sensibilidades e de pensarem criticamente, e não a julgar.

Você acha que o aluno de hoje é menos crítico do que o de 15/20 anos atrás?

Não dá para afirmar isso, pois seria necessária alguma pesquisa que comprovasse isso. Mas o aluno de hoje tem tudo para ter uma sensibilidade crítica muito maior. Porém, ele é invadido por uma onda de julgamento, por um certo golpe ao pensamento. Nosso objetivo, enquanto educadores, é manter o pensamento e a crítica. O desconforto e o contraditório têm que existir em uma sala de aula, e não ir na rede social e ler exatamente o que eu penso e o que eu gosto, porque, além de me identificar com isso, eu acabo por exorcizar o outro. Daí surgem os discursos de ódio que tanto vemos nas redes sociais. 

Quando há verdade não há pensamento crítico, a verdade e os dogmas não abrem precedentes para a discussão de nada. A função docente da universidade não é o dogma, é o debate. 

A tecnologia trouxe ainda mais atribuições para as pessoas. Como lidar com o estresse e a ansiedade em uma realidade que o trabalho chega a qualquer hora do dia na palma da mão?

A forma de trabalhar mudou. E o trabalho presencial, como conhecemos hoje, provavelmente está com os dias contados. A educação a distância já não acontece em um horário de sala de aula convencional. As demandas de trabalho chegam a qualquer hora pelo WhatsApp. Ao mesmo tempo em que a mensagem de trabalho invade a sua casa, ela é extremamente fluida. 

Assim como a tecnologia invadiu a família, o trabalho invadiu os lares, não sabemos mais os limites e ficamos muito partidos. E quando estamos partidos adoecemos, pois ficamos desconectados de nós mesmos e infelizes. O trabalho tem uma função social na vida do homem importantíssima, deveria ser vivido como uma fonte de prazer e não deve estar misturado na relação com a família. 

Como identificar se estou estressado e se devo reavaliar a minha rotina?

Não existem fórmulas, mas quando o sujeito estiver tomado pela angústia, e se essa angústia for maior do que ele suporta, acho que é o momento de reavaliar a vida e pedir ajuda. Quando a angústia interfere na vida da gente, seja no trabalho ou nas relações familiares e amorosas, é a hora de parar. O problema é que quando temos uma subjetividade anestesiada, conforme falamos no início, ela adoece sem perceber. 

Quanto mais vida, mais conexão. Quando essas conexões diminuem, você tem que começar a pensar e a se observar. Tem gente que pensa que a depressão é aquela coisa clássica de a pessoa ficar trancada dentro do quarto, e não é isso, a depressão tem várias formas de se manifestar. Não conseguir se conectar a mais nada é uma fonte de sofrimento e é uma porta aberta para a Síndrome do Pânico, ansiedade, Síndrome de Burnout, entre outros. Observamos, nos últimos tempos, um aumento na demanda nos nossos consultórios. 

Há uma demanda maior de crianças e jovens nos consultórios?

Não tenho esse dado no momento, mas posso afirmar que as pessoas estão adoecendo. Talvez, por estar em um centro universitário, temos mais acesso às questões dos jovens. Mas o importante é buscarmos ajuda, principalmente de um profissional, que seja sério, que seja recomendado, que não vá simplesmente pautar a sua vida para você. 

A psicanálise é altamente revolucionária porque coloca a autonomia no sujeito. Você é quem vai pautar a sua vida, vai se conectar aos seus desejos, às suas vontades. Para que você leve a sua vida de forma mais livre. 

Qual dica pode ser dada para os pais de crianças e jovens sobre o uso excessivo de tecnologia?

Normalmente quando a criança usa excessivamente jogos e celulares é porque a família também tem esse uso. Muitas vezes uma mãe dá o smartphone para a criança porque lhe falta tempo para cuidar. E falta mesmo. Então, acho que a família deve rever a própria postura em relação ao tempo dedicado aos filhos. 

O adolescente tem uma forma de estar no mundo diferente da criança, ele precisa de espaço, precisa do seu canto, mas quando a vida só se pauta por uma rede social é hora de os pais pararem para pensar. É importante observar se os vínculos com os filhos estão sendo formados. Tenho tempo para os meus filhos? Tenho tempo para a família? Se estamos no automático, é preciso parar, pensar e a avaliar. Se não estou conectado ao meu filho, possivelmente a minha relação com ele pode se deteriorar. 

Por Juliana Lila

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